domingo, 30 de setembro de 2007

VI

Existem dias que não existem. Hoje, por exemplo, não existiu. A noite agora me consome e anuncia que eu devo ir pra cama. Amanhã é mais um dia de luta, diferente de hoje, que foi, ou deveria ter sido, um dia de descanso e de pleno hiato cerebral. E não são só os domingos que não existem. Muitas vezes, as sextas também não existem. ó, benditas sextas-feira, em que eu passo o dia todo estudando, ou fingindo pra mim mesma que estudo e que, assim, a cada fórmula que leio, a cada data que lembro, a cada poesia que decoro, fico mais inteligente. Não é ingenuidade minha, é loucura. E loucura se combate com tratamento de choque e camisa de força. Mas eu não quero, nem de longe, ir parar num hospício, porque talvez goste de lá e, se gostar, não será um bom sinal. Será o sinal de que conviver com vocês, humanos sãos, é pior do que viver com eles, que comem cocô, que batem a cabeça na parede, que te miram com um olhar estranho, profundo e que dizem que coisas não existem.
Eu busco por algo que realmente exista, quem sabe um amigo imaginário. Boby? Você está aí?

domingo, 16 de setembro de 2007

V

Diz que eu não estudo certo!! Não sei se o chamo de idiota ou coitado... Por via das dúvidas vou chamá-lo de coisa, coisinha de Deus. Coisinha de Deus insiste que eu tenho que passar no vestibular, se oferece para me ensinar química e, se eu erro alguma resposta, me chama de burra. Coisinha de Deus é que é burro, burro em passar sua vida achando que sabe tudo.

sexta-feira, 14 de setembro de 2007

IV

Magali pediu um suco de laranja com beterraba, achando que assim barraria aquele vírus maligno que rondava pela cidade derrubando todos, alguns na cama e, nos casos mais extremos, na terra fofa. Dizia, entre os goles, que o "Apocalipse" estava começando a sinalizar para o mundo a sua chegada. Mal sabia ela que desde que existe mundo, existe o fim do mundo, bastando abrir os olhos para descobrir. E que, de olhos fechados, o mundo pode ser infinito.
Quando piscou os olhos, transitando do infinito para a realidade confinada, Magali ouviu um espirro e, sem saber de quem veio, começou a imaginar a trajetória dos vírus pelo ar, eles davam cambalhotas, faziam malabarismos e, no fim, tinham sempre o mesmo destino: o seu canudo. Empurrou o copo para longe de si. Olhou fixamente para o canudo durante um incontável minuto, pensou em sair dali correndo, hesitou, os vírus segui-la-iam à vácuo e no seu copo ainda continham, em ml, aproximadamente um real. Não era mulher de desperdícios. Com um real, ela podia comprar quatro pães, levá-los para Igreja e ver o milagre da multiplicação, sim, ela acreditava nele. Olhou novamente para o canudo e viu, sua mente lhe dizia que estava realmente vendo, os germes com roupa de banho e óculos escuros na borda. Por um momento chegou a sentir pena deles, mas, quando lembrou do potencial destrutivo que lhes era inerente, sentiu raiva, muita raiva. Miseráveis. Com certeza eles não eram obra de Deus, são operários do Satã. Iria ela rezar para exorcizar aqueles demônios. Fechou os olhos. Viu Deus no infinito. Dez ave-marias, cinco pais-nosso. Quando abriu os olhos, o copo já não estava mais em sua frente. Deus operara ali. Olhou para os lados e viu uma garçonete rebolando em direção à cozinha. Será que ela pegara seu copo? Que ousadia. Revolta, levantou num impulso e gritou:
- Ei, você não viu que eu ainda não tinha terminado de tomar meu suco? Eu quero outro e não vou pagar.